http://www.correiodamanha.pt/noticia.aspx?contentid=0DB8A2AF-3C0F-4814-BBFA-8EFC534E4DBE&channelid=00000009-0000-0000-0000-000000000009
João Vale e Azevedo foi ontem condenado, em cúmulo jurídico, a cumprir 11 anos e seis meses de cadeia pelos diversos crimes de peculato, burla e falsificação de documentos nos quatro casos já julgados. As penas somadas dariam 23 anos, mas, além de o tribunal ter fixado a pena única em 11 anos e meio, Vale só terá de cumprir oito – descontado o tempo que passou na cadeia. E o advogado, José António Barreiros, que representou o fugitivo na Boa-Hora, garantiu que Vale "aceitará voluntariamente a extradição para Portugal para cumprir as penas de prisão a que foi sujeito".
Até porque, feitas as contas, se o ex-presidente do Benfica regressar à cadeia poderá sair em liberdade condicional ao fim de três anos e dez meses – cumpridos dois terços da pena. Ou seja, se for encarcerado este ano, poderá estar em liberdade nos primeiros meses de 2013.
O colectivo de juízes da 4ª Vara da Boa-Hora, Lisboa, deu "como provados todos os factos constantes nos acórdãos condenatórios" dos últimos anos – casos ‘Ribafria’, ‘Dantas da Cunha’, ‘Ovchinnikov’ e ‘Euroárea’ (ver quadro) – e considerou que Vale e Azevedo "praticará novos crimes, idênticos aos cometidos até agora, se continuar em liberdade". Mas definiu uma pena que é só metade da soma total.
O acórdão assinala que Vale "agiu com elevado grau de sofisticação e especial censurabilidade", dado que praticou os crimes referidos "enquanto advogado e presidente do Benfica, causando elevados prejuízos aos lesados e obtendo, dessa forma, benefícios patrimoniais ilegítimos".
Vale está foragido em Londres e sobre ele pende um pedido de extradição para cumprir uma pena de sete anos e seis meses de prisão pelos crimes de falsificação e burla qualificada no caso ‘Dantas da Cunha’. Em Junho de 2008 foi emitido um mandado de detenção europeu, ao qual o Tribunal de Westminster deu provimento a 27 de Novembro do ano passado. No entanto, os advogados de Vale apresentaram um recurso, argumentando que o regresso a Portugal era prematuro, visto que ainda não havia cúmulo jurídico das penas a que fora condenado.
Ontem, à saída do Tribunal da Boa-Hora, o advogado José António Barreiros garantiu que Vale "aceitará voluntariamente a extradição para Portugal para o cumprimento das penas de prisão a que foi sujeito". Isto "quando o tribunal inglês proferir decisão nesse sentido".
"É UMA DECISÃO DISCUTÍVEL"
Apesar de garantir que o seu cliente "aceitará voluntariamente" a extradição para Portugal, o advogado José António Barreiros adiantou à saída do Tribunal da Boa-Hora que vai recorrer da decisão proferida ontem por esta apenas ter subtraído ao cúmulo jurídico o período em que Vale e Azevedo cumpriu prisão efectiva (três anos e meio). "É decisão discutível o facto de o tribunal não ter tido em consideração o período em que o meu cliente esteve em liberdade condicional", disse o advogado, referindo que é com base "nestas razões jurídicas" que vai recorrer.
"ISTO É UM FOLHETIM, UMA FANTOCHADA" (António Pragal Colaço, Advogado de Dantas da Cunha)
Correio da Manhã – Concorda com o cúmulo jurídico determinado pelo Tribunal?
António Pragal Colaço – Não. A soma das penas chegava aos 23 anos e há a agravante de ele estar foragido. Aplicar uma pena inferior a metade do total das penas é uma vergonha.
– Acredita que Vale e Azevedo alguma vez volta a entrar numa prisão portuguesa?
– Nunca. Este processo, incluindo a extradição, é um folhetim, uma enorme fantochada. Mesmo que o tribunal inglês decida pela extradição, ele recorre para a Câmara dos Lordes.
– O seu cliente já foi ressarcido da burla de que foi vítima?
– Nem o meu cliente, nem qualquer outro lesado, como a Caixa Geral de Depósitos ou o Benfica, entre outros. O valor das burlas já chega aos 80 milhões de euros.
– Vai recorrer da decisão?
– É extraordinário, mas, como nem fui notificado para um processo que é meu, não posso recorrer. Não fui tido nem achado e não posso fazer nada.
QUATRO SENTENÇAS
1994
Burla qualificada a dois corticeiros, José Rufino e Cesinando Guerreiro, no negócio da Quinta da Ribafria.
Empresários burlados em 1,5 milhões de euros
Condenação: 5 anos de prisão
1997
Burla qualificada a Pedro Dantas da Cunha e à Caixa Geral de Depósitos na hipoteca de um prédio no Areeiro, Lisboa.
Empresário e banco burlados em 15 milhões de euros
Condenação: 6 anos de prisão por burla agravada + 3 anos de prisão por falsificação de documento (7,5 anos em cúmulo jurídico).
1999
Peculato ao Benfica no caso Ovchinnikov, por apropriação de dinheiro na transferência do guarda-redes russo.
Clube lesado em 640 mil euros
Condenação: 4,5 anos de prisão.
1999
Falsificação de contrato no caso Euroárea, na venda de terrenos do Benfica.
Apropriação de 5 milhões de euros
Condenação: 4,5 anos de prisão.
SOMA DAS CONDENAÇÕES
Burla qualificada: 5 anos
Burla agravada: 6 anos
Falsificação de documento: 3 anos
Peculato: 4,5 anos
Falsificação de contrato: 4,5 anos
Total: 23 anos
Cúmulo jurídico: 11,5 anos
Pena cumprida nos casos Ovchinnikov e Euroárea: -3,5 anos
Prisão efectiva: 8 anos
PORMENORES
SEM PASSAPORTE
João Vale e Azevedo está em Londres sob termo de identidade e residência, com o passaporte retido e impedido de sair do Reino Unido.
"PELO MEU PÉ NÃO VOU"
Em Junho do ano passado, Vale e Azevedo garantiu que não regressava a Portugal voluntariamente. "Pelo meu pé não vou. Se há sentença para ser cumprida, devem usar os meios legais para tal", disse o ex-presidente do Benfica.
NOTAS
EXTRADIÇÃO: APÓS 8 DE JUNHO
A decisão do Supremo Tribunal inglês relativa ao pedido de extradição das autoridades portuguesas foi adiada para depois de 8 de Junho, a pedido do arguido. Ainda não há data definida.
TRABALHO: ENERGIA RENOVÁVEL
De acordo com o Tribunal da Boa-Hora, Vale e Azevedo é consultor na área das energia renováveis – biodiesel e etanol – e administrador de uma empresa declarada insolvente.
FAMÍLIA: AGREGADO DISPERSO
A mulher do ex-presidente do Benfica, Filipa Vale e Azevedo, continua a viver em Portugal e trabalha numa imobiliária, diz o tribunal. Os filhos, 25 e 27 anos, estão a viver no estrangeiro.