Política de Natal
É surpreendente que nenhum dos candidatos se tenha lembrado de se apresentar em estúdio com o seu próprio desgraçado, para que o adversário fosse forçado a reconhecer que era, de facto, o pobre mais pobre que já tinha visto. O ideal seria um dispositivo semelhante ao dos programas de culinária: o candidato apresentava um mendigo andrajoso, metia-o no forno, e tirava-o imediatamente já barbeado e empregado numa fábrica
8:22 Quinta feira, 6 de Jan de 2011
A mensagem de Natal do primeiro-ministro é uma parte da programação televisiva natalícia que, juntamente com a Música no Coração, nunca perco. E devo dizer que, na minha opinião, a mensagem deste ano foi das mais natalícias de sempre. Em primeiro lugar, porque a referência aos "sinais animadores de recuperação económica" demonstra que se trata de uma mensagem de Natal dirigida apenas às pessoas que ainda acreditam no Pai Natal. Em segundo lugar, porque quando retoma a boa prestação dos nossos alunos naquele teste da OCDE, fala aos portugueses como se eles fossem anjinhos. Embora se superiorize a Julie Andrews, que só conseguiu educar sete crianças. Tudo somado, produz uma mensagem mais natalícia que um prato de rabanadas.
Acredito que uma mensagem tão natalícia tenha sido recebida, como aliás é apropriado, com caridade cristã. Os portugueses que estão desempregados e os que a partir da próxima semana vão ter o salário reduzido retiraram certamente algum conforto do facto de, apesar de tudo, a miudagem ter tirado um Satisfaz Bastante no teste do PISA. Quanto mais instruída estiver a juventude mais facilidade terá em ajudar os pais a perceberem a medida exata em que o seu ordenado diminui e os seus impostos aumentam. Às vezes pode ser difícil converter as percentagens num valor.
Este não foi, no entanto, o único ato político eminentemente natalício das últimas semanas. Os debates presidenciais têm sido de uma pobreza que só pode ter por motivo uma homenagem a Jesus Cristo e à sua rejeição dos bens terrenos. É curioso - e também pleonástico - que debates tão pobres tenham versado sobretudo sobre o tema da pobreza, mas vista pelos olhos de uma espécie de Comité Olímpico dos Pobrezinhos (cuja existência, a propósito, faz falta). O debate entre Fernando Nobre e Francisco Lopes foi aquele que mais evidentemente conteve um torneio de contemplação de miséria. Não sei como ficou decidido que o candidato que tivesse visto mais pobreza na vida seria o mais recomendado para desempenhar o cargo de Presidente da República, mas Nobre e Lopes disputaram até ao último indigente o título do maior observador nacional de pobres. Fernando Nobre avançou com a sua experiência de visionamento de pobres a nível internacional, que chegou a parecer insuperável, mas só até Francisco Lopes ter alegado, parece que com razão, que nos arrabaldes de Coimbra, onde terá passado a infância, já se vê pobreza tão perturbadora como a melhor que existe no estrangeiro.
Não foi fácil apurar quem tinha visto o pobre mais pobre, e é surpreendente que nenhum dos candidatos se tenha lembrado de se apresentar em estúdio com o seu próprio desgraçado, para que o adversário pudesse contemplá-lo em toda a sua pobreza e fosse forçado a reconhecer que era, de facto, o pobre mais pobre que já tinha visto. O ideal seria preparar um dispositivo semelhante ao dos programas de culinária: o candidato apresentava um mendigo andrajoso, metia-o no forno, e tirava-o imediatamente já barbeado e empregado numa fábrica. E munido do certificado de aproveitamento no teste do PISA.
http://clix.visao.pt/politica-de-natal=f584830