Frequenta a Igreja Protestante, mas segue outras religiões: a cerveja e os donuts. Mesmo assim, o Vaticano diz que Homer é "católico"
Um dia,
Homer Simpson decidiu vender a alma ao Diabo por causa de um donut. Ele, que ressona quase sempre na missa do reverendo Lovejoy e que não perde uma oportunidade para gozar com o vizinho ultracatólico Ned Flanders. O resto da família - assumidamente protestante - também é pouco religiosa: Bart inferniza a vida dos colegas e a irmã, Lisa, rendeu--se aos encantos da Ciência e diz que Deus não existe.
Apesar de a lista de pecados da família mais famosa da América parecer interminável, o Vaticano decidiu perdoar os pecados dos Simpsons e,
num artigo publicado na última edição do "L''Osservatore Romano", a Santa Sé considera que a série de Matt Groening é das poucas para crianças "em que a fé cristã, a religião e as questões sobre Deus são recorrentes". O jornal oficial do Vaticano vai mais longe e revela um facto surpreendente:
"Poucas pessoas sabem disto e ele faz de tudo para esconder, mas é verdade: Homer J. Simpson é católico", explica o artigo intitulado
"Homer e Bart são católicos". Prova disso, fundamenta o texto, é que a família amarela "faz orações quando está à mesa e, à sua maneira peculiar, acredita na vida depois da morte". Até a ironia da série está perdoada aos olhos de Deus: "Os Simpsons não atacam a religião, estão muito atentos aos testemunhos da Igreja e respeitam o núcleo do evangelho", refere o jornal.
O argumentista da série, Al Jean, já reagiu aos elogios de Roma e considera a análise "exagerada". "É a minha compensação por não ir à igreja há 20 anos", ironizou. "Mostramos claramente que Homer não é católico. Ele nunca iria aguentar deixar de comer carne às sextas- -feiras", explicou Al Jean, acrescentando que a família frequenta a igreja de Springfield, "decididamente protestante".
A posição do jornal oficial do Vaticano parece não fazer sentido até para alguns católicos. "Nunca avaliei as pessoas e muito menos os programas de televisão por serem católicas ou não e o jornal do Vaticano chegar a este ponto de avaliação... é uma visão muito parcial e revolucionista", defende o bispo D. Januário Torgal. O antropólogo e professor de Religião da Universidade de Columbia, Donizete Rodrigues, vai mais longe e alerta para o perigo das declarações do jornal. "Não é positivo que a Igreja se ligue, pela importância que tem no mundo, a uma série de humor", considera.
Já o padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal, assume que acha "graça" ao humor e à ironia de "Os Simpsons". "Há uma maneira respeitosa e que não ofende de ironizar os assuntos", admite o padre, que acrescenta: "Acredito num Deus bem-disposto, que quando liga a televisão se diverte com a série."
O teólogo Joaquim Carreira das Neves prefere sublinhar que os comportamentos excessivos de Homer Simpson devem ser entendidos à luz da cultura americana.
"E a Igreja Católica é a única que não proíbe as bebidas alcoólicas ou a comida. Os católicos podem fumar, beber e pecar, que Deus lá está para perdoar e Jesus, conforme disse aos fariseus, bebia e comia muito, porque ensinava que o que importa é o que vem de dentro, do coração, e não o que vem de fora", recorda. João César das Neves, católico e professor universitário, realça a "ausência quase total de Deus e da religião nos meios de comunicação social e na televisão".
Por isso louva a existência de "uma série popular de desenhos animados que trate o assunto da fé e da religião como algo normal na vida quotidiana".
In: I