O juiz que determinou a entrega da pequena Alexandra à mãe russa quebrou o silêncio para justificar a decisão. Diz-se chocado com as imagens da Rússia e penintencia-se por ter julgado mal a mãe afectiva. Pode ter violado o dever de reserva.
O Conselho Superior de Magistratura (CSM) não tardou na reacção. Comunicou já que analisará as declarações de Gouveia Barros, relator do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, na próxima sessão plenária, na terça-feira. Em causa está a eventual violação do dever de reserva, tema que fora, de resto, motivo de uma deliberação do CSM em Março de 2008.
O debate surgira na sequência dos problemas levantados por declarações de juízes sobre o caso Esmeralda. E concluíra que "o dever de reserva abrange, na sua essência, as declarações ou comentários (positivos ou negativos), feitos por juízes, que envolvam apreciações valorativas sobre processos que têm a seu cargo". O fundamento deste dever - que também consta do "Compromisso éticos dos juízes portugueses", aprovado pela Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) - é proteger a "imparcialidade, independência, dignidade institucional dos tribunais, bem como a confiança dos cidadãos na justiça, e do respeito pelos direitos fundamentais, em conjugação com a liberdade de expressão".
Ora, a liberdade de expressão e o dever de comunicação devem limitar-se a esclarecimentos descritivos e factuais. Se é ou não o caso do juiz da Relação de Braga (ver caixa) é o que vai ser discutido pelo CSM. Até porque haverá casos em que as declarações são possíveis, mediante autorização do CSM. Não terá sido pedida.
A polémica mereceu também reacção do bastonário da Ordem dos Advogados, agradado com o facto de, pela primeira vez, um juiz admitir que "é um ser humano e que errou". As críticas da estrutura judicial, diz Marinho Pinto, surgem porque Gouveia Barros é, para ela, "um mau exemplo", que contraria o arquétipo de juiz por ela desenhado.
Ouvido pelo JN sobre as contradições entre o despacho do tribunal de Barcelos (que considerava haver risco na entrega de Alexandra à mãe) e o acórdão da Relação, o juiz Madeira Pinto - que esteve no Tribunal de Família e Menores do Porto antes de passar para a Relação - prefere não tecer comentários. Mas defende o funcionamento da Justiça. E lembra que, enquanto em Barcelos a decisão foi de um juiz de comarca comum, em Guimarães houve unanimidade de um colectivo de três juízes.
Cabe a um tribunal de recurso decidir sobre a avaliação da primeira instância, sem acrescentar nenhum dado novo. Neste caso, por ser direito de família e menores, sem possibilidade de recurso para o Supremo. A decisão foi rápida por se tratar de um processo urgente (estava em causa a expulsão da mãe biológica e a entrega de um menor). E, lembra Madeira Pinto, as Relações têm juízes "experimentados, que subiram por mérito" (classificação mínima de "bom com distinção" e 18 a 20 anos de carreira) e são "muito mais experientes do que um juiz de primeira instância".
Não obstante, o magistrado entende que há falhas, que seriam obviadas com a especialização em direito de família e menores até na segunda instância. Actualmente, integra a pasta cível, que abarca vários assuntos. Uma ideia partilhada pelo presidente da ASJP, António Martins. "O recrutamento poderia ser feito em função da vocação das pessoas e requisitos específicos, numa área que exige uma formação muito própria". Mas que não merece uma cadeira específica nas faculdades de Direito.
fonte: jornal de noticias