Kate e Gerry McCann têm a certeza
de que Maddie foi raptada, mantêm a esperança de a encontrar e falam da tortura que é o segredo de justiça
O ruído das vozes diminuiu ligeiramente no pub dos arredores de Leicester quando o casal McCann entrou. Sob os olhares curiosos mas discretos dos presentes, deram a entrevista combinada ao PÚBLICO na qual afirmaram ter a "certeza absoluta de que a Madeleine não saiu sozinha" do seu apartamento. "Certos pormenores indicam claramente que ela foi raptada".
PÚBLICO - Passado um ano do desaparecimento de Madeleine, há alguma coisa que lamentem não ter feito?
Gerry McCann - Fizemos absolutamente tudo o que pudemos. Mas continuamos a estar atentos a possíveis pistas e a todas as formas de obter novas informações. Acreditamos que alguém sabe algo que nos pode ajudar a encontrar a Madeleine e continuamos a apelar à informação.
Kate - Ainda não parámos... Não desistiremos. Não há um manual de instruções que nos diga o que devemos fazer quando uma criança é raptada. Continuaremos até que ela seja encontrada.
Qual a imagem mais forte que retêm da noite de 3 de Maio de 2007?
[Silêncio. Kate não contém as lágrimas e esconde o rosto com a mão]
Kate - Incredulidade inicial e, depois, um medo absoluto.
Gerry - Quando vi que a Madeleine tinha desaparecido, todas as emoções emergiram. Pensamos que não pode ser possível, que aquilo não está a acontecer... a primeira impressão é de total incredulidade e a, seguir, pânico.
Kate, o que sentiu quando entrou no apartamento e não viu a Madeleine? Qual foi a primeira coisa que fez?
Kate - Incredulidade e medo...
Gerry - Disseram-nos [as autoridades judiciárias] que não devíamos dar detalhes exactos sobre o que fizemos...
Kate, por que razão partiu logo do princípio de que se tinha tratado de um rapto? Não admitiu a hipótese de Maddie ter acordado e saído do quarto pelo seu pé?
Kate - Tenho a certeza absoluta de que a Madeleine não saiu sozinha. Conheço a minha filha, há certos pormenores no apartamento que indicam claramente que ela foi raptada, mas não posso falar sobre eles...
Por causa do segredo de justiça?
Kate - Sim. Mas não tenho dúvida nenhuma de que ela foi raptada.
Um dos pormenores que causaram estranheza em Portugal foi o facto de os vossos filhos se terem deitado tão cedo, com um tempo tão agradável lá fora e quando quase ainda nem tinha anoitecido. Porque os puseram tão cedo na cama? Fazem o mesmo aqui em Inglaterra?
Kate - A cultura britânica e a cultura portuguesa são totalmente diferentes...
Gerry - Todas as nossas crianças já estavam a dormir quando fomos jantar. A nossa rotina, em casa, era que Sean e Amelie [os gémeos] fossem para a cama às sete da tarde
Kate - A maioria das crianças gosta da rotina...
Gerry - Só mantivemos a nossa rotina normal e eles sentiam-se felizes com isso. Estavam cansados e dormiam bem.
Outra ideia que se espalhou em Portugal, na altura, foi a suspeita de que sedavam os vossos filhos. Têm o hábito de lhes dar tranquilizantes? É verdade que os gémeos não acordaram depois de ter sido dado o alerta do desaparecimento de Maddie?
Kate - Nunca demos nenhum tipo de tranquilizantes aos nossos filhos. Senti-me insultada quando li isso. Não nos deviam fazer essa pergunta.
Gerry - A questão dos sedativos é insultuosa. O barulho não faz grande diferença a crianças pequenas. Fizemos testes forenses aos nossos filhos aqui porque estávamos preocupados com a possibilidade de terem sido drogados.
Kate - Fizemos um teste a nós próprios quando regressámos ao Reino Unido.
Por que motivo resolveram dispensar o serviço de baby sitter?
Gerry - As crianças estavam na sua rotina e pensámos que poderia ser mais perturbador deixá-las com outra pessoa e depois ir buscá-las...
Mas não era possível chamar uma baby sitter para ficar no apartamento?
Gerry - Sim, mas éramos quatro grupos, precisaríamos de quatro baby sitters...
E pensaram que não seria necessário recorrer a essa solução...
Gerry - Pensámos que não era necessária uma baby sitter. Se fôssemos a outro restaurante, que fica a uns 600 metros, nunca os deixaríamos sozinhos. Mas estávamos tão perto... podíamos ver o apartamento.
Kate - Pensámos que era absolutamente seguro. Nunca iríamos se não soubéssemos que era totalmente seguro.
Aqui em Inglaterra, deixam os vossos filhos sozinhos?
Kate - Não sinto que os tenha deixado sozinhos. Estávamos tão perto... Era um resort com um ambiente tão familiar, parecia tão seguro...
Gerry - Era como se as crianças estivessem deitadas ali [aponta para o edifício em frente] e estivéssemos sentados aqui... Podíamos levantar-nos e ir ver se choravam... Era tão calmo... nunca nos passou pela cabeça que existisse alguém que estivesse a pensar raptar um dos nossos filhos. Voltar e descobrir que a tinham levado é totalmente inacreditável. Até por estarmos em Portugal, que tem uma fantástica reputação de amizade para com as crianças...
[Kate emociona-se de novo e chora]
É verdade que informaram primeiro a Sky News do desaparecimento de Maddie e só depois a polícia?
Kate - É completamente mentira.
Gerry - Nunca chamámos os media. Sei que um dos jornalistas portugueses falou com a Sky. A notícia veio, realmente, de outro canal de televisão... Não é verdade que tenhamos sido nós, isso é um disparate.
Quem chamou a polícia?
Gerry - Uma das pessoas do grupo. Chamámos a polícia bem cedo, procurámos nos arredores e como não encontrámos a Madeleine, então chamámos a polícia. Foi muito pouco tempo depois de Kate ter dado o alerta.
Por que razão sentiram tanta necessidade de publicitar o caso, de criar um blogue e de se rodearem de assessores de imagem e de porta-vozes?
Kate - Queríamos encontrar a nossa filha...
Gerry - Queríamos fazer tudo o que pudéssemos para encontrar a nossa filha. Depois do período inicial, a nossa principal preocupação era que ela pudesse ter sido levada para fora de Portugal. Não tínhamos a mínima ideia sobre onde Madeleine pudesse estar. Numa hora poderia estar no Norte de África, em qualquer sítio do mundo. As organizações que se dedicam a crianças desaparecidas dizem que o conhecimento por parte do público pode ser muito útil para recuperar as crianças desaparecidas. Uma em cada seis crianças desaparecidas são encontradas graças à acção dos media. Não podemos querer que as pessoas nos ajudem a encontrar a nossa filha e não estar comprometidos com os media.
Não tínhamos a mínima ideia de que a atenção dos media ia ser tão maciça. Na primeira noite que voltámos de Portimão deviam estar uns cem jornalistas à nossa espera. Não fomos nós que os chamámos, mas eles estavam lá. E precisávamos de nos proteger. Estamos a tentar levar uma vida normal.
A ideia de criar uma fundação para recolher fundos foi vossa?
Gerry - Não. O que aconteceu é que, em dez dias, fomos inundados com ofertas de ajuda de centenas de pessoas. Os advogados britânicos aconselharam-nos a criar um fundo para gerir esses contributos, para que tudo fosse transparente. Não foi uma ideia nossa, foi uma resposta às ofertas financeiras.
Lembram-se de algum acontecimento estranho durante a vossa permanência na Praia da Luz? Desconfiaram de alguém?
Gerry - Não podemos falar sobre isso por causa do segredo de justiça... Mas foram umas férias muito calmas, muito agradáveis... Estávamos a passar umas óptimas férias.
Kate - Passámos um tempo muito agradável. Seria mais fácil dizer que sim, que tínhamos reparado em algo de estranho...
in Publico