Mulher fica com bens do casal
O ex-presidente do Banco Português de Negócios (BPN) José de Oliveira e Costa, que ontem foi detido e constituído arguido pelos crimes de burla agravada, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, garantiu há oito meses que nenhum do património pessoal pudesse ser congelado ou executado.
Com efeito, pouco tempo depois de ser concretizado o afastamento do banco (15 de Fevereiro de 2008), Oliveira e Costa divorciava-se da mulher, Maria Yolanda Rodrigues Alves de Oliveira e Costa, com quem esteve casado durante 42 anos.
O divórcio foi realizado por mútuo consentimento e com a apresentação de uma relação de bens comuns para partilha que atribuiu de imediato à mulher a casa de morada de família, situada na Av. Álvares Cabral, nº 45, em Lisboa.
A necessidade de apressar o divórcio e a partilha levaram o casal Oliveira e Costa a renunciar ao prazo de recurso como permite o nº 1 do Artigo 681 do Código de Processo Civil – uma renúncia que só pode ser decretada e aceite se ambas as partes dela beneficiarem.
A decisão final de divórcio foi decretada no dia 3 de Março, menos de um mês depois de os accionistas o terem afastado da presidência do BPN. Ontem, conduzido ao Tribunal Central de Instrução Criminal, foi interrogado pelo juiz Carlos Alexandre sobre as transacções financeiras e negócios imobiliários sobrevalorizados do BPN em Cabo Verde e em paraísos fiscais, apanhadas na ‘Operação Furacão’.
Oliveira e Costa foi detido no Cartaxo depois de ter estado várias semanas fora do País, provavelmente no Brasil. As autoridades fizeram ainda buscas a uma das suas casas, em Lisboa. O interrogatório começou às 21h00 e terminou às 00h30. 'Está a colaborar com a Justiça e regressa a casa', disse o advogado do arguido à saída, acrescentando que o interrogatório recomeça hoje às 10h00. O arguido ficou em regime de detenção, depois de ter saído do tribunal na sequência de uma operação de diversão dos jornalistas com um carro da Brigada Fiscal.
ACUSAÇÕES
BRANQUEAMENTO
O crime de branqueamento de capitais imputado a Oliveira e Costa é o que admite uma maior pena de cadeia. Está em causa a suspeita de que muitas das operações financeiras feitas no banco serviam para ocultar a origem das verbas.
FRAUDE FISCAL
O crime de fraude fiscal qualificada está previsto nos artigos 103 e 104 do Regime Geral das Infracções Tributária (RGIT) e é a espinha dorsal de toda a ‘Operação Furacão’.No caso do BPN, são diversas as operações registadas em offshores para fugir aos impostos e também para receber comissões de negócios, que eram distribuídas por administradores.
OS ACTIVOS EXTRAVAGANTES
JUAN MIRÓ
O BPN ficou com uma colecção de quadros do artista Juan Miró como garantia de um empréstimo concedido a uma empresa espanhola.
MOEDAS EURO
Cinco milhões de moedas comemorativas do Euro’2004 (em ouro e prata) no valor de 40 milhões de euros não foram vendidas. O Banco de Portugal era um potencial comprador.
JÓIAS DO FARAÓ
O banco tem uma importante colecção de várias antiguidades egípcias que foram adquiridas através de um empresário amigo de Oliveira e Costa.
'OPERAÇÃO FURACÃO' DECISIVA PARA A QUEDA DO EX-GOVERNANTE
O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, está disponível para ir ao Parlamento prestar declarações sobre o caso BPN, que sofreu um forte impulso com toda a documentação apanhada pela ‘Operação Furacão’. Dois dos quatro inquéritos sobre o banco em curso no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) são relativos à ‘Furacão’ e foram abertos numa altura em que a se agudizava a crise no banco.
As participações posteriores de Vítor Constâncio e de Miguel Cadilhe foram feitas a Maria José Morgado, mas passaram para as mãos do departamento liderado por Cândida Almeida. Aí, os casos foram distribuídos aos magistrados Rosário Teixeira, que dirige a ‘Furacão’, e a Vítor Guimarães, agora também com o Freeport.
POBRE CHEGA A BANQUEIRO
Ninguém imaginava que Oliveira e Costa, que trabalhava num escritório e estudava à noite, iria um dia fazer parte de um Governo e mais tarde alcançar a posição de banqueiro. Mas o rapaz pobre de Esgueira, concelho de Aveiro, acabou por subir a pulso a corda da vida. Termina o liceu, licencia-se em Economia e, em meados da década de 70, entra para o Banco de Portugal, onde se torna amigo de Cavaco Silva. No rol das distintas amizades está ainda Miguel Cadilhe, que conhece na Faculdade de Economia do Porto.
A partir de 1979 faz carreira na alta finança: é presidente da Sociedade Financeira, vice-presidente do Banco Nacional Ultramarino e vice-presidente do Banco Pinto & Sotto Mayor.
Quando Cavaco Silva forma o primeiro Governo, em 1985, Miguel Cadilhe é ministro das Finanças e Oliveira e Costa secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Oliveira e Costa abandona funções governativas em 1991. Mas o primeiro-ministro, Cavaco Silva, oferece-lhe um lugar na Europa – como vice-presidente do Banco Europeu de Investimentos. Regressado a Portugal, funda, em 1993, o Banco Português de Negócios (BPN) – do qual foi presidente até Fevereiro deste ano.
PATRÃO DE 25 EMPRESAS
O ex-presidente do Banco Português de Negócios (BPN) acumulava cargos de direcção em pelo menos 25 empresas do Grupo Sociedade Lusa de Negócios (SLN), o que lhe permitia realizar transacções e receber comissões sem o conhecimento dos restantes accionistas da holding SLN-Valores, apurou o Correio da Manhã junto de fontes da SLN. Esta situação, à qual se juntou o desenvolvimento de uma teia de relações familiares – com a colocação do filho (José Augusto Rodrigues Oliveira e Costa) na administração do Banco Efisa, da filha (Iolanda Maria Oliveira e Costa) e do genro (João José Abrantes) à frente de várias participadas do universo BPN (Datacomp, Infobusiness, Rentilusa, BPN-Crédito, BPN-Leasing, entre outras) – veio aumentar o mal-estar entre os principais accionistas da holding SNL-Valores.
Oliveira e Costa tinha cargos de direcção no BPN-Participações Financeiras, BPN-Crédito, BPN-Madeira, BPN-SGPS, Caves Raposeira, Grupo Português de Saúde, Partinvest, Real Seguros, Murganheira, Urbigarden, Tapada de Chaves, entre outras empresas detidas pelo banco. Uma realidade que alguns accionistas questionavam, exigindo nomeadamente a separação dos negócios entre as áreas financeira e não-financeira dentro do universo BPN e a constituição de dois conselhos de administração distintos para cada uma delas, que reportariam a uma comissão executiva controlada por um conselho superior – onde estariam representados todos os accionistas da SLN--Valores.
Esta exigência de descentralização de cargos dentro do Grupo acentuou-se depois das buscas à sede do BPN no início da ‘Operação Furacão’, em 2005. Ontem mesmo, o presidente da Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) veio esclarecer que os problemas do BPN se ficaram a dever 'à falta de controlo do Governo sobre as sociedades'. Carlos Tavares disse que 'os controlos societários não funcionam e não há administradores independentes. Os administradores não-executivos vão às sociedades uma vez por mês e não questionam as decisões'. O presidente da CMVM – que falava no XII Congresso de Contabilidade e Auditoria, que decorre na Universidade de Aveiro – acrescentou que 'os accionistas não pedem habitualmente explicações nas assembleias gerais e há a prática indesejável de as instituições financiarem a compra de capital, o que deixa os accionistas numa situação de dependência'.
EMPRÉSTIMOS E PATROCÍNIOS
O ex-ministro da Saúde Arlindo de Carvalho e o deputado social--democrata Duarte Lima foram contemplados com dois empréstimos do BPN de vinte e de cinco milhões de euros, noticiou o jornal ‘Público’, citando os relatórios preliminares da auditoria realizada pela Deloitte a pedido do ex-presidente do banco Miguel Cadilhe.
Segundo apurou o Correio da Manhã, para além daqueles empréstimos o BPN terá patrocinado o concerto para angariação de fundos da Associação Portuguesa contra a Leucemia (de que Duarte Lima foi um dos fundadores) que ocorreu em Janeiro no Pavilhão Atlântico.
SAIBA MAIS
CRIADO EM 1993
O BPN foi criado em 1993 como resultado da fusão das sociedades financeiras Soserfin e Norcrédito.
56,7
milhões de euros foi o resultado líquido consolidado do Grupo BPN no exercício de 2007.
‘COMPLIANCE’
Apesar de todas as irregularidades detectadas nos negócios do BPN, o banco tinha um departamento de ‘compliance’ que tinha por missão supervisionar o cumprimento e a correcta aplicação nas empresas do Grupo.
NOTAS
CGD: CONTAS NO BPN
A Caixa Geral de Depósitos (CGD), que acabou por ficar com o BPN, tinha várias contas abertas no banco de Oliveira e Costa e realizava diversas transacções com a instituição financeira.
PSD: CORTINA DE FUMO
O líder parlamentar do PSD afirmou que o PS está, em relação ao BPN, 'com uma cortina de fumo que ninguém entende' por recusar a audição parlamentar de actuais e antigos responsáveis do banco.
MAIA: HOSPITAL LIDADOR
A Câmara Municipal da Maia pediu 'com urgência' uma reunião ao Grupo Português de Saúde (GPS), que pertence à Sociedade Lusa de Negócios, para discutir futuro Hospital Lidador.
DIAS LOUREIRO: FALA NA RTP
Dias Loureiro, ex-administrador do BPN, é hoje entrevistado na RTP, na rubrica ‘Grande Entrevista’, pela jornalista Judite de Sousa.
SANTOS SILVA: NECESSÁRIO
O presidente do BPI, Artur Santos Silva, classificou de 'acertada' e 'necessária' a intervenção do Governo no Banco Português de Negócios.
in correiodamanha.pt