Mostra o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que a pobreza em Portugal estabilizou e as desigualdades diminuíram. Mas os números não podem ser olhados acriticamente.
Fala-se em dados respeitantes a 2007, isto é, antes do impacto da crise internacional, quando se diz que o risco de pobreza em Portugal se mantém em 18% - o valor do estudo precedente - e que "o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era 6,1 vezes o rendimento dos 20% da população com menor rendimento, traduzindo-se numa redução face a 6,5 estimado no ano anterior". Mas o que significa isso?
Há uma fórmula internacionalmente reconhecida para estabelecer o limiar da pobreza, que, no contexto em causa, corresponde a rendimentos na ordem dos 406 euros mensais, pelo que, naturalmente, o retrato não é preciso, pois rendimento baixos, mas acima dessa linha, não entram nas estatísticas. Quanto às desigualdades, são estabelecidas mediante o cálculo do coeficiente de Gini, que, porém, não explica causas.
"Estes indicadores não são perfeitos, como todos os indicadores construídos pela Ciência Económica, pela Estatística ou pela Sociologia", nota o sociólogo Fernando Diogo, docente da Universidade dos Açores e estudioso do fenómeno da pobreza, notando que os números, como "elementos de gestão da res publica e construções sociais", pelo que não prescindem de apreciação crítica.
Daí que surjam sempre leituras dissonantes. Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, disse à Lusa que os critérios usados pelo INE são "puramente economicistas" e "não têm a ver com uma efectiva qualidade de vida das pessoas". Já o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, salienta o carácter positivo dos números, embora ressalve que "os dados da pobreza nunca nos podem deixar completamente satisfeitos".
Em parte, mas não totalmente, o combate à pobreza entronca nas chamadas "transferências sociais", cuja eficácia em Portugal é tradicionalmente pequena, segundo Fernando Diogo, mas "tem vindo a aumentar nos últimos anos, com o Rendimento Social de Inserção e com o Complemento Solidário para idosos": "Tínhamos uma taxa de pobreza de 25%, que está agora nos 18%. Por muito que nos custe a acreditar, Portugal tem enriquecido um pouco, mas as transferências sociais continuam a ser um problema estrutural tradicional do país".
De acordo com o estudo, de que apenas foram divulgados dados provisórios, há uma faixa etária cujo risco de pobreza aumentou, em relação a 2006. Trata-se dos mais jovens, os que têm idades entre 0 e 17 anos, isto é, os dependentes. Só estudos mais aturados permitirão daí tirar conclusões, pois, como nota o sociólogo, pode tratar-se apenas de um efeito estatístico: ao diminuir o risco de pobreza dos idosos, devido às transferências sociais, os mais novos passam a ter maior peso estatístico.
Certo é que a crise resultará num agravamento da pobreza, em Portugal como em todo o Mundo. Porém, a noção desse problema poderá tardar, por efeito do subsídio de desemprego.
Fonte:JN