O Presidente da República (PR) acusou ontem o PS de procurar manipular factos para encostar a primeira figura do Estado ao PSD, em pleno período eleitoral, e revelou que tomou medidas para que o correio electrónico da Presidência tenha a sua segurança reforçada.
Num tom de clara hostilidade contra o partido do Governo, o PS, que acaba de sair vitorioso das urnas e a cujo líder, José Sócrates, terá de indigitar nos próximos dias como primeiro-ministro, Cavaco Silva foi claro a classificar os acontecimentos de "manipulação". Para garantir que não cede a pressões e considerar que, neste caso, "foram ultrapassados os limites do tolerável e da decência".
O PS demorou mais de duas horas a responder e fê-lo através do braço-direito de José Sócrates, Silva Pereira. O ministro fez frente ao Presidente e avisou que este "é o pior dos momentos para lançar o país numa querela artificial", em "polémicas inúteis" baseadas em "suspeições absurdas e totalmente infundadas".
"Só há uma forma de lidar com este tipo de suspeições: é cortar o mal pela raiz", disse. Silva Pereira considerou que todo este caso foi "uma grave manipulação da verdade para prejudicar o PS e o Governo", nas eleições.
A polémica, afirmou, das "escutas ou outras formas de vigilância, supostamente promovidas no Palácio de Belém ou por serviços na sua dependência, não teve origem em qualquer declaração de deputados do PS". Foi uma suspeição que, realçou, se revelou "totalmente absurda e infundada" e que o Presidente não justificou na sua declaração ao país.
Não aos ultimatos do PS
Cavaco atacara directamente os dirigentes do PS, José Junqueiro e Vitalino Canas, revelando que foi "surpreendido com declarações de destacadas personalidades do partido do Governo exigindo ao PR que interrompesse as férias e viesse falar sobre a participação de membros da sua Casa Civil na elaboração do programa do PSD". O que diz ser "mentira".
Sublinhando que, mesmo que fosse verdade, não tem conhecimento que alguma vez os assessores de anteriores presidentes "tenham sido limitados na sua liberdade cívica, incluindo contactos com os partidos a que pertenciam". E confessa que considerou estas declarações "graves" e mesmo "um tipo de ultimato dirigido" a si.
Ora, segundo Cavaco, estas declarações tinham como objectivo "puxar o Presidente para a luta político-partidária, encostando-o ao PSD", e "desviar as atenções do debate eleitoral das questões que realmente preocupavam os cidadãos".
É nesse âmbito de luta político-partidária que Cavaco diz entender "as interrogações que qualquer cidadão pode fazer sobre como é que aqueles políticos sabiam dos passos dados por membros da Casa Civil da Presidência da República", numa clara alusão à notícia do PÚBLICO, a 18 de Agosto, sobre suspeitas de vigilância a assessores de Belém.
Falando sobre essa notícia, disse: "Mesmo as interrogações atribuídas a um membro da minha Casa Civil, de que não tive conhecimento prévio e que tenho algumas dúvidas quanto aos termos exactos em que possam ter sido produzidas." Para concluir: "Mas onde está o crime de alguém, a título pessoal, se interrogar sobre a razão das declarações políticas de outrem? Repito, para mim, pessoalmente, tudo não passava de tentativas de consolidar os dois objectivos já referidos: colar o Presidente ao PSD e desviar as atenções."
O PR considera que esse objectivo esteve presente na publicação pelo DNde "ume-mail, velho de 17 meses, trocado entre jornalistas de um outro diário [PÚBLICO], sobre um assessor do gabinete do primeiro-ministro que esteve" numa visita do PR à Madeira. O Presidente prossegue: "A primeira interrogação que fiz a mim próprio quando tive conhecimento da publicação doe-mailfoi a seguinte: "Porque é que é publicado agora, a uma semana do acto eleitoral, quando já passaram 17 meses?"" E conclui que ligou esta "publicação doe-mailaos objectivos visados pelas declarações produzidas em meados de Agosto". Para insistir, em defesa de Fernando Lima: "Pessoalmente, confesso que não consigo ver bem onde está o crime de um cidadão, mesmo que seja membro dostaff da Casa Civil do Presidente, ter sentimentos de desconfiança ou de outra natureza em relação a atitudes de outras pessoas."
Cavaco explica ainda que afastou Lima da chefia do Gabinete de Imprensa porque "o e-mail publicado deixava a dúvida na opinião pública sobre se teria sido violada uma regra básica que vigora na Presidência da República: ninguém está autorizado a falar em nome do Presidente da República, a não ser os seus chefes da Casa Civil e da Casa Militar".
PSD lamenta demora
No PSD, a declaração de Cavaco foi recebida com uma crítica. "Lamentamos que este esclarecimento não tenha sido feito no momento próprio, ou seja, antes de os portugueses votarem e votarem de uma forma totalmente esclarecida", afirmou o secretário-geral. Marques Guedes chamou a atenção para as consequências "graves" nas relações institucionais entre o Presidente e o primeiro-ministro causadas por este "episódio"
Tal como o PSD, o CDS, o PCP e o BE defenderam que devem ser esclarecidas as dúvidas sobre a segurança das comunicações.
Por São José Almeida e Nuno Simas
http://jornal.publico.clix.pt/noticia/30-09-2009/presidente-da-republica-e-ps-assumem-conflito-institucional-17922762.htm