Nota prévia
A maioria das situações são fictícias, mas os termos
empregues foram recolhidos no Centro de Saúde de
Olhão, sendo o espelho da confusão semântica e de
vocabulário que tantas vezes existe nas cabeças
dos nossos utentes ...
Por partilharem comigo as suas histórias, os meus
agradecimentos às funcionárias administrativas Inês
Simões e Fernanda Veloso, assim como à técnica de
cardiopneumologia Sandrina Marto.
6h da manhã.
O Sol já aparecia distinto sobre o azul celeste. Em
torno da porta do Centro de Saúde, um pequeno
grupo de utentes organizava-se para a marcação da
consulta "à vaga". A maioria já se conhece. Afinal
todos são já bem experimentados nesta forma bem
própria de utilização da consulta.
Aliás, o Director do Centro de Saúde até mandou
instalar uns banquinhos de jardim no local, para
tornar a espera mais atractiva.
É uma excelente oportunidade para trocar experiências
e conhecimentos, que todos vão acumulando ao longo
do seu percurso de contactos com os médicos e hospitais.
A Maria do Céu vai à consulta do "Parlamento", a Dona
Gertrudes vai à consulta da "Monopausa" e a Rita é que
as corrige informando-as que aquela consulta chama-se
de Planeamento Familiar. Uma tem um "biombo" no "úbero"
e leva os resultados duma "fotografia", outra está
preocupada com comichões na "serventia" do marido, até
porque ele, havia poucos dias, tinha já sido consultado
pelo médico por estar com os "alforges" todos inflamados.
Alguém logo ali diagnosticou um problema na "aprosta"
do marido.
Mais à distância desta conversa, um grupo de senhoras
falavam dos métodos contraceptivos e, uma delas,
peremptória, afirmava que nunca aceitaria porem-lhe
uma "fateixa" dentro da barriga! Uma outra discordava,
e lá lhe foi dizendo que por causa disso é que teve tantos
filhos, felizmente todos de parto normal, só o último foi de
"açoreana", mas aquele que lhe dava mais problemas era
o mais velho que já era "toxico-correspondente"!
Noutro local, um grupo de homens mais idoso ia falando
da relação entre o "castrol" e a "atenção".
Às tantas um deles começa a explicação cuidada dum
acidente que tivera. Por isso é que tinha a vacina contra
o "tecto" em dia, mas o acidente estragou-lhe a "tibiotísica"
e causou-lhe uma hérnia "fiscal", pelo que tinha ido fazer
uma "fotocópia" e um "traque".
Outro referiu que nunca teve problemas de ossos, o seu
problema era uma grande "espirrogueira na peitogueira".
Uma senhora, atraída pela conversa, queixava-se de
entupimento no "curso" com dores "alucinantes" quando
se "abaixava".
Além disso cobria-se de suores e "gómitos", ficava
"almariada" e tudo acabava com uma forte "encacheca",
ficando cerca de 3 dias com cara de "caveira misteriosa".
Alguém lhe falou nuns supositórios que a poderiam ajudar
mas ela já os conhecia, aparentemente tinham sido muito
difíceis de engolir, pelo que o melhor ainda era o "clistério".
Finalmente, uma outra senhora queixava-se da "úrsula"
no "estambo", pelo que vinha mostrar o resultado duma
"endocuspia" e ainda algumas análises especiais, como
a Proteína C Reaccionária.
8h30mn da manhã.
Ainda havia muito para conversar mas a Inês, jovem
funcionária administrativa do Centro de Saúde,
obviamente tarefeira, acaba de chegar.
Os funcionários administrativos não podem chegar
atrasados, caso contrário, confundir-se-iam com os
doutores.
- Quem é o primeiro, se faz favor? Ora diga lá o seu
nome?
- Josefina Trindade.
- Idade?
- 67 anos.
- Estado . . .?
- Constipada, muito constipada!
9h da manhã.
Aparece a enfermeira Freitas que grita para a pequena
multidão barulhenta que cerca a Inês:
- Quem está para medir as tensões? É você?
Então entre e diga-me qual é o seu problema?
- Sabe, senhora enfermeira, o meu problema é ter
uma doença "arrendatária" que "arrendei" do meu
pai e já me levou uma vez aos cuidados "utensílios"
do hospital. Afecta-me as "cruzes renais" e por isso
dá-me muita "humidade à volta do coração". Aliás,
o doutor pediu-me uma "pilografia" e um "aerograma"
que aqui trago e recomendou-me beber pouca água.
Finalmente, chega o médico, que logo dá início às
consultas:
- Então de que se queixa?
- De uma angina de peito, senhor doutor. Tudo
começou há uma semana quando fui às urgências.
O médico disse-me que era uma angina na garganta,
mas a angina começou a descer e agora apanha-me
o peito todo!
Aos poucos, os utentes iam entrando e saindo, com
melhor ou pior cara.
Alguns perguntavam à Inês onde era o "pechiché da
retrosaria" para pagarem a taxa moderadora.
O senhor Batista foi dos utentes que saiu mais
zangado da consulta. Permaneceu estoicamente na
fila desde as 5h30m da manhã e, agora, o médico
tinha-lhe dito que o seu atestado para carta de
condução era com outro: o Delegado de Saúde.
Finalmente é chamado pelo Delegado de Saúde
para o exame do atestado:
-Sr. Batista, faça-me o favor de pôr o dedo no nariz.
Não, senhor Batista, não é no meu, é no seu nariz!
O utente estava muito nervoso e depois do primeiro
falhanço achou por bem enterrar o dedo profundamente
nas fossas nasais!
O Delegado de Saúde desiste: - Muito bem, senhor
Batista! Fica com a carta com as mesmas restrições
anteriores.
O Sr.Batista saiu radiante - tinha, pelo menos, mais
2 anos de carta para conduzir - e ao passar pelos
outros utentes que ainda esperavam, avisou:
- Espero que estejam constipados, porque só passa
quem tiver uns bons macacos para tirar do nariz.