O Toné adorava feijoada.
Porém, sempre que comia, o feijão causava-lhe uma reacção fortemente
embaraçosa. Algo muito forte. Um dia apaixonou-se.
Quando chegou a altura de pedir a mulher em casamento, pensou:
- Ela é de boas famílias, cheia de etiqueta, uma verdadeira atleta, não vai
aguentar estar casada comigo se eu continuar a comer feijão. Decidiu fazer
um sacrifício supremo e deixou-se de feijoadas.
Pouco depois estavam casados.
Passados alguns meses, ao voltar do trabalho no Douro o carro avariou. Como
estava longe, ligou para a Sofia e avisou que ia chegar tarde pois tinha que
regressar a pé. No caminho, passou por um pequeno restaurante e foi atingido
pelo irresistível aroma de feijoada acabadinha de fazer. Como faltavam
vários quilómetros para chegar, achou que a caminhada o iria livrar dos
efeitos nefastos do feijão.
Então entrou, pediu, fez a sua pirâmide no prato e ao sair tinha três doses
de feijoada no estômago. O feijão fermentou e durante todo o caminho, foi-se
peidando sem parar.
Foi para casa a jacto. Peidava-se tanto que tinha que travar nas descidas e
nas subidas quase não fazia esforço para andar. Quando se cruzava com
pessoas continha-se ou aproveitava a oportuna passagem dum ruidoso camião
para soltar gás. Quando chegou a casa, já se sentia mais seguro.
A mulher parecia contente quando lhe abriu a porta e exclamou:
- Querido, tenho uma surpresa para o jantar!.
Tirou-lhe o casaco, pôs-lhe uma venda nos olhos, levou-o até à cadeira na
cabeceira da mesa, sentou-o e pediu-lhe que não espreitasse.
Nesse momento, já sentia mais uma ventosidade anal à porta! No momento em
que a Sofia ia retirar a venda, o telefone tocou. Ela obrigou-o a prometer
que não espreitava e foi atender o telefone. Era a Xuxu... Enquanto ela
estava longe, o Toné aproveitou e levantou uma perna e -ppuueett - soltou
um! Era um peido comum. Para além de sonoro, também fedeu como um ovo podre!
Aliviado, inspirou profundamente, parou um pouco, sentiu o fedor através da
venda, e, a plenos pulmões, soprou várias vezes a toda a volta para
dispersar o gás. Quando começou a sentir-se melhor, começou outro a
fermentar! Este parecia potente.
Levantou a perna, tentou em vão sincronizar uma sonora tossidela para
encobrir, e pprrraaaaaaaa!
Sai um rasgador tossido. Parecia a ignição de um motor de camião e com um
cheiro mil vezes pior que o anterior! Para não sufocar com o cheiro a
enxofre, abanou o ar sacudindo os braços e soprando em volta ao mesmo tempo,
esperando que o cheiro se dissipasse.
Quando a atmosfera estava a voltar ao normal, eis que vem lá outro. Levantou
a outra perna e deixou sair o torpedo! Este foi o campeão: as janelas
tremeram, os pratos saltaram na mesa, a cadeira saltou e num minuto as
flores da sala estavam todas murchas. Quase lhe saltavam os sapatos dos pés.
Enquanto ouvia a conversa da Sofia ao telefone no corredor, sempre fiel à
sua promessa de não espreitar, continuou assim por mais uns minutos, a
peidar-se e a tossir, levantando ora uma perna ora a outra, a soprar à
volta, a sacudir as mãos e a abanar o guardanapo.
Uma sequência interminável de bufas, torpedos, rasgadores e peidos comuns,
nas versões secas e com molho. De onde a onde acendia o isqueiro e desenhava
com a chama círculos no ar para tentar incinerar o nefasto metano que
teimava em acumular-se na atmosfera. Ouviu a Sofia a despedir-se da Xuxu e
sempre com a venda posta, levantou-se apressadamente, e com uma mão deu umas
palmadas na almofada da cadeira para soltar o gás acumulado, enquanto
abanava a outra mão para espalhar. Quando sacudia e batia palmadinhas nas
calças largas para se libertar dos últimos resíduos, ouviu o plim do
telefone a desligar, indicando o fim da solidão e liberdade de expressão.
Alarmado, sentou-se rapidamente, e num frenesim abanou apressadamente mais
algumas vezes o guardanapo, dobrou-o, pousou-o na mesa, compôs-se, alinhou o
cabelo, respirou profundamente, pousou as mãos ao lado do prato e assumiu um
ar sorridente.
Era a imagem da inocência quando a Sofia entrou na sala.
Desculpando-se pela demora, ela perguntou-lhe se tinha olhado para a mesa.
Depois de ele jurar que não, ela retira-lhe a venda, e, Surpresaaaa!
Estavam 12 pessoas perplexas, lívidas e amarelas sentadas à mesa: Os pais,
os sogros, os irmãos e os colegas de tantos anos de trabalho.
Era a festa surpresa de aniversário do Toné!'