2008-03-01 - 00:30:00
Loures: Assassinou com martelo e suicidou-se
Mata pais por dinheiro
As grandes dificuldades económicas que a família atravessava terão sido, a par da violência doméstica, mais uma das motivações para Neutel anteontem matar os pais, na casa que habitavam no Catujal, em Loures. Alegado toxicodependente, abusava também do álcool, tal como o pai, Domingos. “Numa manhã os dois corriam as ‘capelinhas’ todas”, contaram ao CM vendedoras no mercado de Arroios, em Lisboa, onde Alice – a mãe – tinha uma banca.
Convencidas de que ao homicídio do casal se seguiu o suicídio que Neutel não tinha planeado, lembram que a colega Alice estava cancerosa. Que em Junho extraiu uma mama e há 15 dias cegou. Mas nunca deixou de migar couve, à faca, para vender caldo verde, ocupação que a ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) a proibiu de exercer na quarta-feira, quando visitou o mercado.
“Disseram-lhe que tinha de migar as couves na hora”, conta ao CM Luísa Helena, vendedora, alegando que “isso é a morte do negócio porque os clientes não esperam”.
Com o aviso, Alice ficou assustada. E o marido, Domingos, ainda desabafou: “Se a gente não pode vender caldo verde, então o melhor é a gente matar-se”, conta Luísa Helena, acrescentando que, nessa manhã, Domingos já tinha batido com o carro.
“Foi tudo ao mesmo tempo. À falta de dinheiro, juntou-se a visita da ASAE e o carro danificado...”, considera, ainda emocionada com a morte da colega.
Dizia que tudo corria bem
Luísa conhecia Alice há 21 anos, tal como Esmeralda, também vendedora no mercado.
“Ela só falava bem do filho e do marido”, sublinha Esmeralda, contando que Alice falava de uma vida que não tinha. “Dizia que o filho andava na faculdade, depois que era professor, psiquiatra... E dizia que o marido e o filho não a deixavam fazer nada; que a tratavam como uma ‘flor de estufa’. Mas depois nós víamo-la aqui a migar couve, já cega e muito cansada.” Alice fazia radioterapia na esperança de recuperar a visão. E, “uma semana depois de tirar a mama, ela estava já aí a migar couve”, lamenta Esmeralda, acrescentando que nos últimos dias era Neutel quem ficava na banca quando Alice ia à radioterapia acompanhada pelo marido. Anteontem, quando se apercebeu do atraso da colega, Esmeralda pediu para lhe telefonarem. Atendeu o filho que disse que estava tudo bem e que a mãe estava atrasada porque se sentira mal e fora com o pai ao hospital. Eram 07h00, Alice e Domingos já tinham sido assassinados com um martelo pelo filho.
Autópsia e funerais na próxima semana
Os corpos de Alice, Domingos e Neutel Rafael estão no Instituto de Medicina Legal, em Lisboa, e vão ser autopsiados na segunda-feira, prevendo-se que os funerais só se realizem a meio da próxima semana. Os corpos vão ser enterrados em Porto de Mós, terra onde os três nasceram e de onde saíram em 1978.
Durante os primeiros anos de vida em comum, a família de Alice nunca se apercebeu de que ela sofresse de maus tratos. “E hoje – apesar da distância (Alice veio para Lisboa) e das notícias – continuamos a não acreditar que ele batesse na minha irmã”, sublinhou ao CM Martinho Cordeiro, opinião partilhada pela sua mulher. Já quanto à bebida, confirmam que ele gostava “de uma cervejinha”. O filho, Neutel, tal como o CM ontem noticiou, deu uma versão diferente aos vizinhos, garantindo que o pai batia na mãe devido a stress pós-traumático ganho na guerra, na Guiné.
Domingos esteve emigrado na Alemanha. Foram anos em que a família viveu sem dificuldades financeiras. “Viviam bem, mas depois a vida mudou”, frisou Martinho que ontem, com os irmãos e respectivas mulheres, começou a limpar e despejar a casa de Alice. As colegas de Alice no mercado é que não têm dúvidas. O filho Neutel “não gostava disto. Encostava-se aí e parecia que estava a fazer um frete. Passava as manhãs a beber, tal como o pai”.
Pormenores de um Crime Macabro
Plano Falhado
Neutel terá matado os pais num impulso. Mas as coisas não terão corrido como planeara e não teria intenção de se matar. Pelo menos, é essa a convicção das colegas de Alice no mercado.
Plano Falhado
Neutel deve ter querido explodir a casa – para despistar a polícia –, o que não resultou como previra. Pressionado pelos bombeiros à porta, terá perdido o controle e cortou a garganta.
Desempregado
Neutel terá sempre vivido às custas dos pais. O homem, de 37 anos, nunca trabalhou. Nos últimos tempos ficava na banca do mercado de Arroios quando a mãe ia aos tratamentos.
Sofia Rêgo
Fonte: Correiodamanha.pt